Conven��o e Liberta��o

"...Sem levar em conta tempo e lugar, toda a pr�tica do Dhamma alcan�a a sua realiza��o no lugar em que n�o h� nada. � o lugar da capitula��o, do vazio, do desfazer-se do fardo..."

As coisas deste mundo s�o apenas conven��es que n�s mesmos criamos. Tendo estabelecido essas conven��es, nos perdemos nelas e nos recusamos a soltar-nos delas, fazendo surgir o apego �s nossas id�ias e opini�es pessoais. Esse apego nunca termina, ele � samsara, fluindo sem ter fim. N�o se acaba. Agora, se conhecermos a realidade convencional ent�o conheceremos a Liberta��o. Se conhecermos claramente a Liberta��o, ent�o conheceremos a conven��o. Isso � conhecer o Dhamma. Nesse caso h� um fim.

Vejam a pessoas, por exemplo. Na verdade as pessoas n�o possuem nomes, n�s simplesmente nascemos nus no mundo. Se temos nomes eles surgem apenas por conven��o. Eu tenho analisado esse assunto em profundidade e vejo que o n�o entendimento da verdade dessa conven��o pode ser prejudicial para as pessoas. � simplesmente algo que usamos por conveni�ncia. Sem isso n�o poder�amos nos comunicar, n�o haveria nada para ser dito, nenhuma linguagem.

Eu vi Ocidentais fazendo medita��o em grupo no Ocidente. Quando eles se levantavam ap�s a medita��o, homens e mulheres juntos, �s vezes eles se tocavam uns aos outros, nas cabe�as! [19] Vendo isso eu pensei, "Ah, se nos apegamos a conven��es o surgimento das contamina��es (mentais) � imediato". Se pudermos nos soltar das conven��es, abrir m�o de nossas opini�es, estaremos em paz.

Como os generais e coron�is, homens de posi��o destacada na sociedade, que v�m me ver. Quando eles chegam dizem, "Ah, por favor toque a minha cabe�a." [20] Se eles assim o pedem, n�o existe nada de errado com isso, eles ficam felizes em ter as cabe�as tocadas. Mas se voc� tocar as cabe�as deles no meio da rua � uma outra hist�ria! Isso se deve ao apego. Por isso eu sinto que soltar-se das coisas � realmente o caminho para a paz. Tocar uma cabe�a � contra os nossos costumes, mas na verdade n�o � nada. Quando eles concordam que a cabe�a pode ser tocada n�o existe nada de errado, � como tocar num repolho ou numa batata.

Aceitar, abandonar, soltar - esse � o caminho da leveza. No simples ato de se apegar surge o vir a ser e o nascimento. O perigo est� exatamente a�. O Buda ensinou acerca da conven��o e como se desfazer da conven��o da forma correta e assim alcan�ar a Liberta��o. Essa � a liberdade, n�o se apegar a conven��es. Todas as coisas neste mundo possuem uma realidade convencional. Tendo estabelecido essa realidade convencional n�s n�o devemos nos deixar enganar por ela, porque perder-se nela realmente conduz ao sofrimento. Esse ponto relativo a regras e conven��es � de suprema import�ncia. Aquele que puder super�-lo superar� o sofrimento.

No entanto, elas s�o uma caracter�stica do nosso mundo. Vejam o Sr. Boonmah, por exemplo; ele era uma pessoa comum mas agora ele foi nomeado Comiss�rio do Distrito. � apenas uma conven��o, mas uma conven��o que devemos respeitar. Faz parte do mundo das pessoas. Se voc� pensar, "Ah, antes eramos amigos, trabalh�vamos juntos na alfaiataria ", e ent�o voc� bate carinhosamente na cabe�a dele em p�blico, ele ficar� zangado. N�o � correto, ele ir� se ofender. Portanto devemos seguir as conven��es de forma a evitar que surjam ressentimentos. � �til entender as conven��es, isso � viver no mundo. Saiba o momento e lugar corretos, conhe�a a pessoa.

Porque � errado n�o aceitar as conven��es? � errado por causa das pessoas! Voc� deve ser esperto, conhecendo ambas, as conven��es e as Liberta��es. Saiba o momento adequado para cada uma. Se soubermos como usar as regras e conven��es com descontra��o ent�o seremos h�beis. Mas, se tentamos nos comportar de acordo com a realidade mais elevada numa situa��o inadequada, isso � errado. Em que sentido � errado? � errado em rela��o �s contamina��es (mentais) das pessoas! Todas as pessoas possuem contamina��es (mentais). Em uma situa��o nos comportamos de uma forma, em outra situa��o precisamos nos comportar de outra forma. Precisamos saber aquilo que � aceito e o que n�o �, porque vivemos de acordo com as conven��es. Os problemas ocorrem porque as pessoas se apegam a elas. Se supomos que algo �, ent�o ser�. Est� ali porque supomos que ali est�. Mas se voc� olhar mais de perto, no seu sentido absoluto, essas coisas na verdade n�o existem.

Eu tenho dito com freq��ncia, antes �ramos leigos e agora somos monges. Viv�amos de acordo com as conven��es das "pessoas leigas" e agora vivemos de acordo com as conven��es dos "monges". N�s somos monges por conven��o, n�o somos monges atrav�s da Liberta��o. No in�cio estabelecemos conven��es como essas, mas se uma pessoa apenas se ordena, isso n�o significa que ela ter� superado as contamina��es (mentais). Se tomarmos um punhado de areia e nos pusermos de acordo em cham�-lo de sal, isso faz com que seja sal? � sal apenas no nome, n�o na realidade. Voc� n�o poderia us�-lo para cozinhar. O seu �nico uso est� limitado ao universo daquele acordo, porque na realidade nesse caso n�o existe sal, somente areia. Se converter� em sal somente pela nossa suposi��o de que assim �.

Essa palavra "Liberta��o" � em si apenas uma conven��o, mas se refere �quilo que est� al�m das conven��es. Tendo obtido a liberdade, tendo alcan�ado a liberta��o, n�s ainda temos que usar a conven��o de modo a nos referirmos a ela como liberta��o. Se n�o tiv�ssemos as conven��es n�o poder�amos nos comunicar, portanto elas t�m a sua utilidade.

Por exemplo, as pessoas t�m nomes diferentes, mas elas n�o deixam de ser pessoas. Se n�o tiv�ssemos nomes para diferenciar entre elas, e quis�ssemos chamar algu�m em uma multid�o dizendo, "Ei, Pessoa! Pessoa!, isso seria in�til. Voc� n�o poderia dizer quem iria responder porque elas s�o todas "pessoas". Mas se voc� chamasse, "Ei, Jo�o!", ent�o o Jo�o responderia, os outros n�o iriam responder. Os nomes satisfazem essa necessidade. Atrav�s deles podemos nos comunicar, eles proporcionam a base para o comportamento social.

Portanto, voc� deve conhecer ambas, as conven��es e a liberta��o. As conven��es t�m o seu uso, mas na realidade n�o existe nada nelas. At� mesmo as pessoas n�o existem! Elas s�o apenas grupos de elementos, nascidas de condi��es causais, crescem na depend�ncia de condi��es, existem durante algum tempo. Mas sem as conven��es n�o ter�amos o que dizer, n�o ter�amos nomes, nenhuma pr�tica, nenhum trabalho. As regras e conven��es s�o estabelecidas para que tenhamos a linguagem, para facilitar as coisas e isso � tudo.

Vejam o dinheiro, por exemplo. Em um passado remoto n�o existiam moedas ou c�dulas, elas n�o possu�am valor. As pessoas faziam escambo, mas como isso era muito complicado foi criado o dinheiro usando moedas e c�dulas. Talvez no futuro tenhamos algum decreto real de modo que n�o precisaremos mais usar c�dulas de dinheiro, usaremos cera, derretendo-a e comprimindo-a em blocos. Diremos que isso � dinheiro e o usaremos em todo o pa�s. Deixando a cera de lado, pode acontecer que eles decidam que a moeda local deva ser excremento de galinha - todas as outras coisas n�o podem ser dinheiro, apenas o excremento de galinha! Ent�o as pessoas iriam brigar e matar umas �s outras pelo excremento de galinha! Assim � como s�o as coisas. Muitos exemplos poderiam ser usados para ilustrar as conven��es. Aquilo que usamos como dinheiro � simplesmente uma conven��o que criamos, que tem um uso dentro dos limites da conven��o. Tendo decretado o que deve ser dinheiro, aquilo se torna dinheiro. Mas na realidade, o que � dinheiro? Ningu�m � capaz de dizer. Quando existe um acordo popular acerca de algo, ent�o surge uma conven��o para satisfazer a necessidade. O mundo � apenas isso.

Isso � conven��o, mas para fazer com que as pessoas comuns entendam a liberta��o � realmente dif�cil. Nosso dinheiro, nossa casa, nossa fam�lia, nossos filhos e parentes s�o simples conven��es que n�s inventamos, mas na verdade, vendo-os sob a luz do Dhamma, eles n�o nos pertencem. Talvez, n�o nos sintamos t�o bem ao ouvir isso, mas na verdade � assim. Essas coisas possuem valor somente atrav�s das conven��es estabelecidas. Se estabelecermos que elas n�o possuem valor, ent�o elas n�o ter�o valor. Assim � como as coisas s�o, criamos as conven��es no mundo para satisfazer uma necessidade.

Nem mesmo este corpo � realmente nosso, n�s � que supomos que seja assim. � verdadeiramente apenas uma suposi��o. Se voc� tentar encontrar um eu real, com subst�ncia dentro dele, n�o ir� encontr�-lo. Existem apenas elementos que nascem, permanecem por algum tempo e depois morrem. Tudo � assim. N�o existe uma real e verdadeira subst�ncia nele, mas est� certo que n�s o usemos. � uma ferramenta para nosso uso. Se ele parar de funcionar haver� problemas, mas apesar do fato de que ele ir� parar de funcionar, voc� deve tentar ao m�ximo preserv�-lo. E dessa forma temos os quatro apoios [21] que o Buda ensinou repetidas vezes para que n�s os analis�ssemos em profundidade. Eles s�o os apoios dos quais um monge depende para manter a sua pr�tica. Enquanto voc� viver ir� depender deles, portanto, voc� deve compreend�-los. N�o se apegue a eles, dando origem ao desejo na sua mente.

A conven��o e a liberta��o est�o relacionadas desta forma continuamente. Apesar de usarmos as conven��es continuamente, n�o devemos confiar nelas como sendo a verdade. Se voc� se apegar a elas, o sofrimento ir� surgir. O caso do certo e errado � um bom exemplo. Algumas pessoas v�m o errado como sendo certo e o certo como sendo errado, mas ao final quem � que realmente sabe o que � certo e o que � errado? N�s n�o sabemos. Diferentes pessoas estabelecem diferentes conven��es acerca do que � certo e do que � errado, mas o Buda tomou o sofrimento como par�metro. Se voc� quiser discutir sobre isso, n�o chegaremos nunca a um acordo. Um diz, "certo", outro diz, "errado". Um diz, "errado", outro diz, "certo". Na verdade n�o temos qualquer id�ia do que � certo ou errado! Mas numa abordagem �til e pr�tica, podemos dizer que o certo � n�o causar dano para si mesmo e n�o causar dano aos outros. Dessa forma temos algo pr�tico.

Portanto, no final, tanto regras e conven��es bem como a liberta��o s�o simplesmente dhammas. Uma � mais elevada que a outra, mas elas andam juntas. N�o h� um modo de garantir que alguma coisa � definitivamente desta ou daquela forma, por isso o Buda disse para n�o levarmos o assunto adiante. Deixe que seja incerto. N�o importa o quanto voc� goste ou desgoste disso, voc� deve entend�-lo como sendo incerto.

Independentemente de tempo e lugar, toda a pr�tica do Dhamma alcan�a a sua realiza��o no lugar em que n�o h� nada. � o lugar da capitula��o, do vazio, de deixar de lado o fardo. Esse � o final. N�o � como a pessoa que diz, "Porque a bandeira est� tremulando ao vento? Eu digo que � por causa do vento". Outra pessoa diz que � por causa da bandeira. A outra replica que � por causa do vento. N�o existe fim nisso! A mesma situa��o com a velha charada, "O que veio primeiro, a galinha ou o ovo?" N�o h� como chegar a uma conclus�o, isso � a Natureza.

Todas essas coisas que dizemos s�o apenas conven��es, somos n�s que as estabelecemos. Se voc� entender essas coisas com sabedoria ent�o voc� entender� a imperman�ncia, o insatisfat�rio e o n�o-eu. Esse � o entendimento que conduz � ilumina��o.

Voc�s sabem que treinar e ensinar pessoas com diferentes n�veis de compreens�o � realmente dif�cil. Algumas pessoas possuem certas id�ias, voc� lhes diz algo e elas n�o acreditam em voc�. Voc� lhes diz a verdade e elas dizem que n�o � verdade. "Eu estou certo, voc� est� errado…" N�o existe um fim nisso. Se voc� n�o se soltar, haver� sofrimento. Eu j� lhes contei antes sobre os quatro homens que se dirigem para a floresta. Eles ouvem uma galinha cacarejando, "Coo-co-rocoo!" Um deles fica curioso, "Isso � um galo ou uma galinha?" Tr�s deles respondem juntos "� uma galinha", mas o outro n�o concorda, ele insiste que � um galo. "Como uma galinha poderia cacarejar assim?" ele pergunta. Eles respondem, "Bem, ela tem um bico, n�o tem?" Eles discutem at� as l�grimas, ficando realmente perturbados com a discuss�o, mas ao final eles est�o todos equivocados. Quer voc� diga uma galinha ou um galo, estes s�o apenas nomes. Estabelecemos essas conven��es, dizendo que um galo � assim, uma galinha � de um outro jeito, um galo cacareja assim, uma galinha cacareja de outro modo…e � assim que ficamos atolados no mundo! Lembrem-se disso! Na verdade, se voc� disser que realmente n�o h� um galo e nem uma galinha ent�o isso dar� fim a tudo. No campo da realidade convencional um lado est� certo e o outro est� errado, mas nunca haver� plena concord�ncia. Discutir at� as l�grimas n�o serve para nada!

O Buda ensinou a n�o nos apegarmos. Mas como praticamos o n�o apego? N�s simplesmente praticamos o abandono do apego, agora esse n�o apego � muito dif�cil de ser compreendido. Para investig�-lo e penetr�-lo � necess�rio ter agu�ada sabedoria, de forma a realmente alcan�ar o n�o apego. Quando voc� pensa sobre isso, quer as pessoas estejam felizes ou tristes, contentes ou descontentes, n�o depende de elas terem pouco ou terem muito - depende da sabedoria. Todo sofrimento s� pode ser superado atrav�s da sabedoria, vendo a verdade das coisas.

Portanto, o Buda nos exortou a investigar e a pensar seriamente. Esse “pensar seriamente” significa simplesmente tentar solucionar esses problemas corretamente. Essa � a nossa pr�tica. Como o nascimento, o envelhecimento, a enfermidade e a morte - esses s�o os acontecimentos mais naturais e comuns. O Buda ensinou a pensar seriamente sobre o nascimento, o envelhecimento, a enfermidade e a morte, mas algumas pessoas n�o compreendem isso, "O que h� para ser pensado?" elas dizem. Elas nascem mas n�o entendem o nascimento, elas ir�o morrer mas n�o entendem a morte.

Uma pessoa que investiga essas coisas repetidamente, ir� ver. Tendo visto, ela ir� solucionar os seus problemas gradualmente. Mesmo que ela ainda tenha apego, se ela tiver sabedoria e vir que o envelhecimento, a enfermidade e a morte s�o parte da Natureza, ent�o ela ser� capaz de obter al�vio do sofrimento. N�s estudamos o Dhamma somente por essa raz�o - para curar o sofrimento. N�o existem muitos fundamentos no Budismo, existe apenas a origem e a cessa��o do sofrimento, isso o Buda chamou de verdade. O nascimento � sofrimento, envelhecimento � sofrimento, enfermidade � sofrimento e a morte � sofrimento. As pessoas n�o v�m esse sofrimento como a verdade. Se entendermos a verdade ent�o entenderemos o sofrimento.

O orgulho contido nas opini�es pessoais, esses argumentos, eles n�o t�m fim. Para tranq�ilizar as nossas mentes, para encontrar a paz, dever�amos pensar seriamente no passado, no presente, e naquilo que nos aguarda. Como o nascimento, envelhecimento, enfermidade e morte. O que podemos fazer para evitar que sejamos atormentados por essas coisas? Mesmo que ainda estejamos um pouco preocupados, se investigarmos at� sabermos de acordo com a verdade, todo sofrimento ir� diminuir e n�s n�o mais estaremos apegados a ele.


Notas:

19. A cabe�a � considerada sagrada na Tail�ndia e tocar a cabe�a de uma pessoa � considerado um insulto. Tamb�m, de acordo com a tradi��o, homens e mulheres n�o se tocam em p�blico. Por outro lado, sentar em medita��o � considerada uma atividade "sagrada". Talvez neste caso o Vener�vel Ajaan estivesse usando um exemplo do comportamento ocidental que em particular choca um p�blico Tailand�s [Retorna]

20. Na Tail�ndia � considerado de bom aug�rio ter a cabe�a tocada por um monge muito estimado. [Retorna]

21. Os quatro apoios -- mantos, alimentos, moradia e medicamentos. [Retorna]

 


© Wat Nong Pah Pong, Thailandia Somente para distribuição gratuita. Este trabalho pode ser impresso para distribuição gratuita. Este trabalho pode ser re-formatado e distribuído para uso em computadores e redes de computadores contanto que nenhum custo seja cobrado pela distribuição ou uso. De outra forma todos os direitos estão reservados.